Ranking de universidades utiliza indicadores ligados à má conduta científica para classificar as instituições

Um inusitado ranking de universidades apresentou uma lista de 1.500 instituições classificadas não por sua excelência do ensino e da produção acadêmica, mas pelo desempenho em indicadores que são impulsionados por desvios éticos.

O Índice de Risco de Integridade em Pesquisa, descrito em um trabalho ainda não revisado por pares divulgado no repositório de preprints ArXiv, pondera dois parâmetros negativos da produção dos pesquisadores de uma universidade: a proporção de artigos científicos que sofreram retratação, ou seja, que foram cancelados por conterem erros ou indícios de má conduta, e a parcela de papers publicados em revistas que foram excluídas das bases de dados Scopus e Web of Science por adotarem práticas de publicação anômalas ou cometerem violações éticas em seus processos editoriais.

Confira o Índice: https://sites.aub.edu.lb/lmeho/ri2/

Este texto é uma reprodução da matéria publicada na Pesquisa Fapesp de julho de 2025. Algumas informações foram adicionadas para esclarecer informações sobre o Índice.

“As universidades querem ser vistas como estrelas em ascensão, mas nem sempre fica claro se elas estão prosperando em terreno sólido ou em areia movediça estatística”, explicou à revista Nature o criador do índice, o cientista da informação libanês Lokman Meho, bibliotecário-chefe da Universidade Americana de Beirute.

Ele ressalta que sua classificação, embora utilize dados objetivos, não serve para estimar a extensão dos desvios éticos cometidos nas universidades, mas pode ser útil para revelar as instituições com vulnerabilidades estruturais não captadas por rankings tradicionais, como as que pressionam os próprios pesquisadores a inflar de modo artificial suas métricas de desempenho e as que são lenientes com práticas de publicação questionáveis.

Índice de integridade sinaliza universidades com altas taxas de retração: uma pontuação baseada em indicadores relacionados à qualidade da pesquisa pode ajudar a evitar que instituições manipulem as métricas que alimentam as classificações convencionais. Quanto menor for a Pontuação RI, melhor colocada está a Universidade.

O índice ordena as instituições em cinco categorias:

1) sinal de alerta; 2) alto risco; 3) em observação; 4) variação normal; 5) baixo risco.

A inclusão de uma universidade em cada uma delas depende da proporção de artigos publicados nos anos 2022 e 2023 que acabaram sendo retratados e da fração de sua produção científica publicada entre 2023 e 2024 em periódicos que posteriormente foram desindexados da Scopus e da Web of Science.

  • Artigos = artigos e revisões publicados em 2023-2024.
  • D = Número de artigos e revisões publicados em 2023-2024 em periódicos desindexados em 2023-2024.
  • Taxa D = proporção de artigos e revisões de uma instituição publicados em periódicos retirados da lista em 2023-2024.
  • R = Número de artigos e revisões retratados em 2022-2023.
  • Pontuação / Taxa R = Número de retratações por 1.000 artigos e revisões.

 

Na categoria sinal de alerta, que agrupa cerca de 124 instituições com “anomalias extremas e risco sistêmico de integridade”, um quarto das universidades é da Índia, 17% da Arábia Saudita e 15% da China. Universidades indianas dominam os nove primeiros lugares da lista.

Um dos destaques é a Universidade Anna, em Chennai. Instituição pública com foco em engenharia, tecnologia e arquitetura, ela teve 372 artigos retratados entre os que foram publicados por seus pesquisadores em 2022 e 2023.

Também aparecem no topo instituições que protagonizaram escândalos recentes, como a Faculdade de Odontologia do Instituto Saveetha de Ciências Médicas e Técnicas, também em Chennai, que se valia de um truque para amplificar indicadores de impacto científico: estimulava os alunos a produzir ensaios de 1.500 palavras descrevendo atividades científicas que realizaram no ano anterior (ver Pesquisa FAPESP nº 329) e a submeter esses textos para publicação em periódicos e anais de conferências. Vários desses trabalhos acabavam sendo aceitos para publicação em seções de resumos (short communications) ou de correspondência e, como citavam em suas referências muitos artigos de docentes da própria faculdade, conseguiam inflar artificialmente os índices de impacto da instituição. Dos artigos publicados em 2022 e 2023, 177 artigos foram retratados por violações éticas.

Grande parte das universidades brasileiras aparecem nos estratos mais baixos do ranking – variação normal e baixo risco – a exemplo das três universidades estaduais paulistas, a Universidade de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp).

Mas duas universidades federais se destacaram nas duas piores categorias do ranking, a de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, na 115ª posição, e a de Goiás (UFG), na 151ª posição, cada uma com 27 artigos retratados.

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Os papers cancelados atribuídos às duas instituições estão relacionados a um caso controverso protagonizado pelo biólogo Guilherme Malafaia Pinto, do Instituto Federal Goiano (IF-Goiano), o autor correspondente de 45 papers retratados por manipulação da revisão por pares publicados na revista Science of the Total Environment (Stoten).

Ao submeter os papers para publicação, Malafaia sugeriu à Stoten nomes de pesquisadores que estariam habilitados a avaliá-los, mas forneceu endereços falsos de e-mail, que não pertenciam a três dos cientistas indicados. Os editores da Stoten encaminharam dezenas de artigos submetidos pelo biólogo para esses e-mails falsos e receberam de volta pareceres bem elaborados, mas não se sabe quem os produziu (ver Pesquisa FAPESP nº 349).

“Boa parte desses artigos retratados tinha entre os coautores pesquisadores das federais de Goiás e de Uberlândia, o que explica a inclusão das instituições na lista”, analisa Edilson Damasio, bibliotecário da Universidade Estadual de Maringá e um estudioso das retratações de artigos de autores nacionais. Como o ranking avaliou apenas instituições com produção científica extensa, o IF-Goiano não foi incluído, ao contrário do que aconteceu com grandes universidades onde atuam coautores.

O diretor de pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia, Carlos Ueira Vieira, informou que não reconhece o número de artigos retratados atribuídos à instituição e que pediu explicações a Meho. Segundo Vieira, três pesquisadores da UFU colaboraram com Malafaia, mas assinaram, segundo a sua contabilidade, apenas um dos artigos retratados na Stoten.

Em alguns casos, o autor ligado à UFU nos artigos retratados era o próprio Malafaia, que declarava afiliação também ao programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Biodiversidade da instituição. De acordo com Vieira, ele foi descredenciado do programa e não possui mais nenhum vínculo com a universidade.

Fabíola Souza Fiaccadori, docente e diretora de pesquisa da Pró-reitoria de Pesquisa e Inovação da UFG, explica que Malafaia fez doutorado na instituição e, com isso, manteve colaborações com alguns pesquisadores da universidade com quem publicou artigos.

Ela ressalta que os coautores dos artigos cancelados não tiveram participação nas irregularidades e as retratações não questionaram o conteúdo dos trabalhos, mas apenas a lisura do processo de avaliação.

“A nossa posição nesse ranking é fruto da fotografia pontual de um momento, uma vez que, historicamente, o volume de retratações de nossos pesquisadores sempre foi muito baixo”, afirma. Fiaccadori afirma que a UFG tem buscado promover uma cultura de integridade: criou, por exemplo, um guia de boas práticas acadêmicas para sua comunidade e oferece uma disciplina de integridade para estudantes de pós-graduação.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.